Por SANDRA MEZZALIRA GOMES e ALEXANDRE LOZETTI
O mérito da entrevista com o jogador Luizão é do colega Alexandre Lozetti que mora em São Paulo e trabalha para um grande veículo de comunicação especializado em esporte.
A pedido do Berliner Zeitung (BZ), Alexandre encontrou Luizão no Centro de Treinamento do São Paulo e realizou a entrevista a seguir.
O jornal alemão, que em março trouxe matéria com Alex Alves, está interessado na atual situação dos antigos jogadores do Hertha Berlin.
Luizão foi o segundo brasileiro que atuou pelo time e teve uma passagem rápida. Problemas com o técnico da época teriam inibido a vontade e criatividade dele, que agora negocia com o São Paulo mas não esconde a vontade de voltar para Berlim.
A tradução para o alemão foi feita pela repórter que redige este texto e a matéria foi publicada no último domingo, 17, com destaque, como a “entrevista do domingo”.
Colaboraram ainda neste trabalho o renomado fotógrafo Ari Vicentini, que “coordenou” o trabalho em São Paulo e Reginaldo Castro, o profissional que acompanhou Alexandre para registrar as imagens do Luizão.
A seguir, na íntegra e com exclusividade já que tal texto só saiu em alemão e na capital germânica, a reportagem com Luizão, por ALEXANDRE LOZETTI.
“No caminho para a entrevista, no Centro de Treinamento do São Paulo, Luizão distribui sorrisos. Brinca com os jardineiros, as funcionárias, o auxiliar de preparação física. Luizão é assim, alegre. A alegria que faltou ao atacante durante os dois anos que passou em Berlin. Apesar do bom apartamento, carros de primeira linha, adaptação de toda família à cidade e ao clima, faltava um detalhe: "Eu não era feliz porque não jogava. O treinador não tinha confiança em mim".
O treinador em questão é Hubb Stevens, o grande "inimigo" de Luizão em sua passagem pela Alemanha. Ao chegar, campeão mundial pela Seleção Brasileira, o atacante despertou sentimentos controversos. Ao mesmo tempo que era cercado de expectativa por ter conquistado o mais importante título do futebol mundial, recebeu uma cobrança que considerou desnecessária. Stevens o colocou no banco de reservas, algo até então inédito em sua carreira. "Não sei o que aconteceu, mas eu ganhava mais que ele. Talvez tenha sido ciúme".
Hoje, aos 31 anos, Luizão continua em bons apartamentos, com bons carros e ao lado da esposa, Mariana, e da filha Yasmin. Viver bem é uma característica do jogador. Mas a alegria também não está completa. As lesões, que tanto o atormentaram no Hertha Berlin, ainda incomodam. Em janeiro, o atleta operou o pé direito e segue em recuperação no São Paulo, clube pelo qual foi campeão da Copa Libertadores da América em 2005. No segundo semestre, Luizão deverá estar liberado para voltar aos gramados. Aguarda propostas e revela o desejo de voltar à Alemanha: "Gostaria de voltar e mostrar o verdadeiro Luizão, apagar a imagem que ficou na primeira passagem".
Mas o jogador, campeão inúmeras vezes na carreira, não carrega apenas más lembranças da capital alemã, ao contrário. A amizade com Alcir, tradutor do Hertha, os restaurantes, o respeito da população local pelo seu currículo... Luizão volta a Berlin sempre que pode. A última vez foi na Copa do Mundo de 2006. O atacante foi um dos homenageados da abertura, em Munique, e aproveitou para prolongar a estadia no país. "Aqui no Brasil, o reconhecimento só vem depois. Lá fora as pessoas respeitam sua história".
Planos? Luizão pensa apenas em continuar jogando. Garante que tem muito a mostrar dentro de campo, sobretudo aos que o consideram velho e sem condições físicas.
O que houve em sua passagem pelo Hertha? Por que não foi o que você esperava?
Quando cheguei a Berlin, fui muito bem recebido, não tenho do que reclamar. Era campeão do mundo e sempre cheguei jogando nos clubes em que passei. O jogador sempre precisa de uma seqüência para poder se adaptar. Você vai mal no primeiro, segundo, pode repetir no terceiro e quarto, mas no quinto você engrena.
E você não teve essa seqüência de partidas?
O treinador, Hubb Stevens, já me colocou no banco. Eu nunca tinha ficado no banco na minha vida por muito tempo, lá é uma cultura diferente. Ele ficava gritando no meu ouvido, fui perdendo a confiança.
Seu único problema foi o Stevens?
Não, as lesões também atrapalharam. Quando fiz o primeiro gol, tive que fazer uma cirurgia, no final da primeira temporada. Voltei, comecei a jogar bem e machuquei de novo. A primeira lesão foi na hérnia, a segunda no músculo da perna. E não curava nunca. Na Alemanha, há uma lei que o impede de receber após determinado tempo parado. Para não ter confusão, abri mão do meu contrato. Eles nem acreditaram, pelo salário que eu tinha. Pagaram o que me deviam e fui embora. No Brasil sou um ídolo, as pessoas me respeitam. Sabem que posso errar, mas a qualquer hora eu decido um jogo.
E com o treinador, o que exatamente aconteceu?
Logo que cheguei, comprei dois carros à vista. Ganhava mais que ele, apareci na capa do jornal. Isso talvez tenha colaborado.
A expectativa era grande por você ter conquistado a Copa do Mundo?
A expectativa era muito grande por eu ter o maior salário, ter feito um contrato milionário. Não sei o que aconteceu, não tive tranqüilidade. Não sei se era ciúme do treinador. Gostaria muito de ter trabalhado com o Falko Götz, que comandou a equipe há pouco tempo. Quando o Hertha me contratou, o treinador era o Götz, mas ele já havia sido demitido. O Alex Alves contava que ele passava confiança aos jogadores e, no futebol, isso é tudo. O Stevens não confiava em mim.
E sua adaptação à cidade, como foi?
Tive uma adaptação boa, fiz amigos, tinha um pessoal que me ajudava bastante. O Alcir, tradutor do clube, o Ronaldo, da embaixada brasileira. Freqüentei muito um restaurante espanhol, outro italiano, era amigo dos donos. Sempre volto a Berlin para passear. Não era feliz dentro de campo porque não jogava.
Ainda acompanha a equipe, ainda fala com os dirigentes?
Tenho amizade com o presidente Dieter Hoeness. O gerente foi um dos que ajudou na minha contratação, sempre nos demos bem. Acompanho o time sempre, sou bem recebido lá. Na última vez que nos vimos, o presidente esteve no Brasil, dei uma camisa do Flamengo a ele. Saímos para jantar, falei alemão com ele, ele nem acreditou.
Você fala alemão?
Nós éramos obrigados a estudar o idioma, mas quando eu brigava com o treinador, parava de fazer as aulas, por pirraça.
Era complicado se comunicar com os companheiros?
Não, tinha alguns brasileiros. Eu, Alex Alves, Marcelinho, Nenê, o Nando, que era angolano, o Roberto Pinto, português. Os companheiros gostavam de mim, inclusive os alemães. Eles respeitavam o que eu havia conseguido, tem muito valor ser campeão do mundo. Hoje falo mais com o Alcir, esse virou meu amigo.
Como era a rotina em Berlin?
Morava num apartamento bom, tinha carro bom, minha filha estudava numa boa escola. Frqüentava muito o restaurante Don Quixote. O dono me ajudou muito, lá eu tinha uma vida mais quente, fazia o prato que eu queria. Ia no Picolo Mondo, também, este italiano. Fazia meus passeios.
Levou toda a família para a Alemanha?
Foi todo mundo. Eu, minha esposa Mariana e minha filha Yasmin, que estava para completar um ano na época. Lá nós ficávamos muito juntos, o contato era constante. Elas também gostavam de lá, se adaptaram bem.
Sua filha foi alfabetizada em alemão?
A Yasmin chegou a estudar lá, aprendeu algumas coisas em alemão, mas em casa falávamos português. Então ela mesclava um pouquinho quando foi alfabetizada.
Você tem muitos amigos no Brasil. Em Berlin, os brasileiros eram tua companhia?
Quando o Nenê estava lá, a gente saía bastante, era mais escolado. O Alex era meio difícil, mais fechado. Não falava muito bem a língua e depender dos outros é horrível.
Houve algum problema com a dificuldade do idioma?
Uma vez, dei uma entrevista e saiu uma matéria em que eu não havia dito nada daquilo. Chamaram minha atenção no clube, o Alcir, que estava ao meu lado, comprovou que eu não tinha falado. Mas mesmo assim mantiveram a bronca.
Mas você falou bobagem mesmo, ou foi maldade do jornalista?
Foi maldade de quem fez a entrevista e do Stevens, que interpretou dessa forma.
E com o frio, teve problema?
O clima, para mim, era tranqüilo. Quando aqui está um, dois graus, lá são dez negativos. Mas aqui faz uma vez por ano, lá é freqüente. O dia acaba mais cedo. Mas nada disso me incomodava, só não era feliz dentro de campo.
Gostaria de jogar novamente em Berlin?
Gostaria de voltar e mostrar o verdadeiro Luizão, apagar a imagem que ficou na primeira passagem. Tenho vontade de voltar à Alemanha, sim.
E o Hertha seria o clube favorito?
Prefiro o Hertha para retornar. Mas jogaria em qualquer outro lugar, é que aprendi a gostar do clube, da cidade.
Alguns brasileiros têm problema com a religião quando deixam o país.
Sou católico de Deus. Acho que para conversar com ele, não precisa estar pregado à Bíblia ou à igreja o tempo todo. Então rezo, converso com ele sempre e mantenho minha fé.
Esteve na homenagem aos campeões mundiais, na abertura do Mundial?
Passei sete dias com minha mulher após a abertura da Copa. Foi muito emocionante estar no meio de campeões mundiais brasileiros e de outros países. Muitos, hoje, passam dificuldades, não têm o carinho das pessoas. Veja o Félix, na cadeira de rodas. Esse reconhecimento é muito bacana.
Conversou com alguém especial, de outro país?
Fiz questão de falar com o Mario Kempes, da Argentina. Acho que ele tinha um estilo meio louco de jogar, sabe? Combina um pouco comigo. Conversei com ele, com os outros argentinos, perguntaram minha idade. Eles também se espantaram que estou tão novo. Na época eu tinha só 30.
Esse reconhecimento deve ser muito valioso para um campeão mundial.
É bom ser reconhecido. No Brasil, isso só tem valor depois. Lá fora, tem muito valor. Se contarmos, não deve haver 200 campeões mundiais vivos no mundo inteiro. É um orgulho muito grande para quem conseguiu e é preciso haver muito respeito. Acho que a CBF (Confederação Brasileira de Futebol) deveria arrumar um cargo para todos que foram campeões mundiais, cada um na sua cidade, ao menos para terem uma vida digna.
Em Berlin você tinha era respeitado como um campeão do mundo?
As pessoas vinham falar na rua, eu era muito respeitado. É gostoso viver em Berlin. Meu problema foi apenas com o Stevens. Ele queria me ensinar coisas que eu já não precisava mais aprender.
Você disse que lia jornais, revistas. Tentava se ambientar ao mundo alemão?
Lendo jornais, revistas, a gente aprendia um pouco da língua. Eu me interessava por isso e o clube nos obrigava a estudar, o Alcir era nosso professor. Mas eu parava nas brigas com o treinador.
Como está sua recuperação agora?
A minha recuperação melhora a cada dia. Lá fora o mercado está se abrindo, aqui há algumas especulações. Mas quando eu começar a fazer treinos com bola, aparecer mais, as pessoas vão se lembrar de mim.
Qual clube você tem mais prazer em ver jogar?
Hoje, gosto muito do Barcelona, do Milan, taticamente, e o Liverpool. Temos que tirar o chapéu para o Rafa Benítez, treinador do Liverpool, que sempre chega às finais com um time comum.
E o melhor jogador do mundo?
O Kaká, hoje, é o melhor. O momento dele é muito superior ao dos outros. Ele ficou muito mais inteligente com o tempo, aprimorou a arrancada, ganhou força física. É um jogador completo. Acho que poderia melhorar apenas o cabeceio.
Dos clubes do exterior que você atuou, qual te deu mais prazer?
O La Coruña foi o mais legal. No Nagoya fiquei pouco, apesar de ter jogado mais que no Hertha. Mas a Espanha foi o melhor lugar. A comida, as pessoas mais quentes, o clima. Lá foi uma passagem muito boa, dentro e fora de campo.
Depois de quase três anos, tem algum recado para alguém do Hertha?
Recado, não. Um convite. Gostaria que o presidente Hoeness viesse conhecer o Centro de Treinamento do São Paulo. A parte de reabilitação física, fisioterapia. É um modelo para todos os clubes do mundo.
(Foto: Reginaldo Castro)
Sunday, June 24, 2007
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