Thursday, December 06, 2007

Traços de Brasília no centro de Berlim


Livro escrito por nove jornalistas do mundo inteiro (entre eles, a repórter desta matéria) destaca a Niemeyer Haus e tem na capa a foto da mesma





Lidía Tirri, fotógrafa e autora do livro sobre os 50 anos do bairro berlinense, considera o trabalho de Niemeyer uma grande contribuição a humanidade e fez questão de conhecer Brasília pessoalmente

Créditos das fotos: Die Hoffotografen

Por Sandra Mezzalira Gomes

Qual a relação entre os 100 anos de Oscar Niemeyer com os 50 anos de construção do bairro Hansaviertel em Berlim? São duas datas marcantes sendo celebradas no mesmo momento e ainda, no Hansaviertel, o brasileiro é lembrado como um dos principais arquitetos do mundo e o responsável pela "Niemeyer Haus“ (Casa do Niemeyer). „A base do prédio dele foi a foto escolhida para ser o símbolo do projeto, ilustrou cartões-postais, cartazes e a capa do livro. Sempre recebo elogios por causa dela“, relata a fotógrafa italiana Lídia Tirri.

Tirri reuniu nove jornalistas para entrevistar os moradores das casas construídas pelos renomados arquitetos internacionais da época. A idéia era ouvir como a arquitetura influencia no cotidiano deles. Resultando num livro* e numa exposição fotográfica, realizada em novembro e dezembro em Berlim, Tirri explica porque considera importante comemorar o aniversário de Niemeyer. "A obra dele é muito expressiva, estive no Brasil e pedi para ser levada a Brasília pois queria ver pessoalmente, fiquei fascinada. A catedral foi a que mais me impressionou, o jogo de luz, sair do túnel escuro e ver aquela cúpula iluminada, é fantástico“.

No caso do bairro berlinense, a fotógrafa lembra que é o único prédio a chamar atenção também pelo seu exterior. "Nos outros, não se percebe que há algo especial até entrar na casa“.

E apesar de Niemeyer declarar, em entrevista ao filme "Leben in der Stadt von morgen“*, que seu projeto foi bem modificado, que a construção erguida no centro de Berlim em 1957 não corresponde exatamente ao seu desenho original, são visíveis seus "traços“ no prédio.

Como na Praça dos Três Poderes em Brasília, a base da Niemeyer Haus em Berlim também parece tocar "levemente“ o chão e o salão comunitário do quinto andar, cuja idéia era possibilitar um "ponto de encontro“ para os moradores, rementem às convicções políticas do arquiteto, que entrou para o partido comunista ainda em 1945. "Apesar dos alemães não serem tão sociáveis como os brasileiros, o espaço tem sido utilizado. Há falhas, porém, eu queria fazer a mostra lá mas não tem campainha para tocar e possibilitar a entrada, ficaria impossível. Talvez no Brasil as pessoas deixassem a porta da frente aberta e o problema não existiria“, observa Tirri.

Foi também o projeto Interbau que o trouxe pela primeira vez à Europa em 1954. Ironias da vida, a idéia da construção do bairro Hansaviertel era "responder“ à avenida Karl Marx Allee, projetada pelos russos no lado oriental de Berlim. A cidade ainda não tinha erguido seu muro de concreto mas se encontrava dividida em setores. "Não acho que, neste caso, ele tenha pensado nas convicções políticas, era uma grande honra ser chamado para participar deste projeto, já que eram os melhores arquitetos do mundo“, comenta a fotógrafa.

Seus trabalhos realizados nesta longa estrada profissional, que teve início em 1935, são reconhecidos e elogiados em todo mundo. A arquiteta e designer Masayo Ave, mora no prédio projetado por ele. "Quando estava procurando minha residência em Berlim e vi este lugar pensei: é aqui. Me sinto em casa, fui criada num bairro moderno de Tóquio que lembra muito o Hansaviertel. A idéia do salão comunitário me interessa bastante, é importante para melhorar nossa qualidade de vida aprendermos a utilizar o espaço em comunidade“, diz Masayo, nascida em 62 no Japão. "Incrível pensar que os projetos feitos há 50 anos ainda sejam atuais“.

Para a alemã Hannelore Schargan que foi criada na Berlim oriental, morar na Niemeyer Haus é um privilégio que a família toda valoriza, tanto que já são três gerações no mesmo prédio. "As janelas largas permitem uma ótima visão do Tiergarten, das árvores, e deixam a residência iluminada. Mas Niemeyer pensou nelas de alumínio, com arestas mais finas e no fim, por falta de dinheiro, foram feitas de madeira. Ele pensou tudo de forma mais elegante“.

Se neste ponto a também arquiteta hoje aposentada concorda que o desenho original foi modificado, os traços do brasileiro estão lá. "A base embaixo da casa é típica do Niemeyer, afinal ele também construiu Brasília assim“. E para a italiana Tirri, tal "elevado“ tem um aspecto negativo pois proporciona uma boa circulação de ar que não corresponde ao clima do país. "Talvez isso fosse perfeito no Brasil mas não é exatamente uma obra que combine com a Alemanha.“

O interesse dos arquitetos do mundo inteiro no bairro berlinense e no trabalho do Niemeyer também são explícitos e justificáveis para a fotógrafa, que considera suas obras uma grande contribuição para a humanidade. "Se pudesse encontrá-lo pessoalmente, diria para parar de negar este projeto de Berlim, já que é um pedacinho dele. Niemeyer diz que não ficou como queria mas há elementos suficientes para lembrar a sua obra e ele não devia se envergonhar. A casa é linda e as pessoas que moram lá são muito felizes“

Mais do que um arquiteto, um artista

Mais conhecido como arquiteto, Oscar Niemeyer tem ainda seu lado artístico com trabalhos publicados como ilustrador, cenografista, escultor, serigrafista e duas obras literárias: "A forma na arquitetura“ e "Conversa com arquitetos“.
Para a cenógrafa e arquiteta paulista Arianne Cardoso, ele é o principal profissional da área no Brasil.“Ele é também um artista, tem a força de ter o desenho como uma arte e trazer isso para o espaço físico. Expõe o país para o mundo e, desde a década de 50, traz idéias do mundo para o Brasil“.
Seu lado multifacetado e criativo viria justamente desta característica da sua personalidade. "Recordo-me de uma palestra dele anos atrás, onde lembrava a importância da forma da mulher brasileira para a sua obra. Ele tem ainda vários traços do modernismo e impressiona que, aos 100 anos, continue produzindo e em movimento“.
Ela esteve recentemente num evento em Praga, na República Tcheca, onde Niemeyer estava sendo homenageado. "Ele projetou quatro teatros, um na Europa e três no Brasil nos últimos anos. E ainda é capaz de interagir por meio da arquitetura“.

Mais informações sobre o assunto:
http://www.b-wohner.de/hansav_eingang/eingang.htm
http://www.stadtvonmorgen.de/
http://www.niemeyer.org.br/0scarNiemeyer/home.html

*Livro "Wohnlabor Hansaviertel - Geschichten aus der Stadt von morgen“ de Lídia Tirri (Amberpress). Encomendas pela internet no www.icoon.de/shop/Wohnlabor Hansaviertel (em alemão e inglês).

*Leben in der stadt von Morgen – ein film von Marian Engel – 50 Jahre Berliner Hansaviertel O filme está em alemão com legendas em inglês. http://www.stadtvonmorgen.de/

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